quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A Prática do Ilícito Deixando de Ser Lucrativa

Nos últimos anos, empresas nacionais e internacionais têm enfrentado um cenário particularmente desafiador no Brasil, sobretudo quando se busca combater a prática de ilícitos por terceiros no campo da Propriedade Intelectual. Além do tão discutido backlog do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, elevados impostos, crise econômica e política e tantas outras intempéries que vão de encontro ao desenvolvimento natural das atividades empresariais, titulares de marcas, patentes e de direitos autorais enfrentam o grande problema das baixas indenizações arbitradas pelo judiciário em casos de infrações. 
No Brasil, a Propriedade Intelectual tem recebido tratamento específico desde a época do Brasil-Colônia, através do Alvará de 28 de abril de 1809. De lá para cá, as práticas antijurídicas se sofisticaram, assim como os agentes infratores, que hoje, equipados com tecnologias de ponta, chegam a avaliar as suas práticas ilícitas sob o prisma da racionalidade econômica. 
Apesar dos avanços legislativos, o Judiciário ainda encontra sérias dificuldades para decidir questões relativas ao tema de maneira eficaz, muitas vezes privando os titulares de direitos de Propriedade Industrial à obtenção de uma indenização justa e que de fato incomode o infrator e o iniba de voltar a praticá-la. Em casos em que uma sentença chega a fixar os valores devidos pela infração, o montante da condenação tem se mostrado insuficiente, não ressarcindo os reais prejuízos, nem compensando o lesado pelos danos à reputação causado pela contrafação. 
Mas o problema vai além, muito além… 
Verifica-se que tais decisões acabam por incentivar as práticas abusivas, visto que, após medirem as consequências dos seus atos, e diante dos irrisórios valores conferidos pelo Judiciário, os contrafatores conscientemente optam pela prática ilícita, numa lógica racional temerária. Os infratores, assim, sabem que o saldo final será positivo, especialmente levando em conta os altos lucros angariados com sua conduta ilícita. É exatamente com o objetivo de enfrentar essa lógica nociva que se vem exigindo urgente resposta do Judiciário brasileiro e revisão de conceitos, sob pena de se continuar fomentando a prática infratora, tornando-as atrativas. 
Diante desse quadro, deslumbra-se nova tendência jurisprudencial que, nas palavras do autor francês Rodolphe Mésa, “tem o objetivo de atuar no desequilíbrio dessa fórmula malévola”. Oriunda da doutrina europeia, a chamada Teoria do Ilícito Lucrativo vem sendo gradualmente adotada pelo Judiciário, notadamente em casos relacionados à infração de direitos de marcas e concorrência desleal. Reconhecendo a disparidade entre as baixas indenizações praticadas e os exorbitantes valores angariados com a contrafação, a teoria sugere que a condenação seja revista, passando a ser aferida sob a ótica da racionalidade econômica e da fixação da sanção pecuniária em valor que desestimule a infração da regra jurídica. 
Vale destacar que a necessidade de revisão da desproporcionalidade existente entre uma condenação tradicional e os lucros adquiridos por infratores já foi tema amplamente discutido no campo do direito autoral, especialmente em processos relacionados à softwares. Agora, nessa mesma direção observa-se que a Teoria do Ilícito Lucrativo vem sendo aplicada em casos ligados à violação de direitos de marca e prática de concorrência desleal, inclusive envolvendo infração de trade dress (conjunto imagem), concorrência desleal e publicidade ilícita. 
Tal constatação se traduz em uma excelente notícia para os titulares de direitos de Propriedade Intelectual. A aplicação de indenizações, nesses casos, à título de danos morais, tem sido cada vez mais determinada pelo poder judiciário, sendo importante destacar que tais penalidades acabam por criar um verdadeiro desestímulo às práticas desleais, que se mostram altamente nocivas a toda a sociedade. Não se pode olvidar, todavia, de que tais indenizações devem ser majoradas sempre com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, considerando-se a vedação do enriquecimento sem causa do lesado, conforme legislação vigente. 
Yuri Fancher Machado Castro é advogado do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello. 
Fonte Artigo publicado no site da AmCham Rio https://goo.gl/NHKxE7