sábado, 5 de junho de 2010

Pena facilitava a aplicação da prescrição virtual

POR FRANKLIN GOMES
Em artigo publicado há não muito tempo atrás intitulado “As Duas Faces do Avanço Intelectual”, fizemos uma ligeira reflexão sobre o paradoxo entre a eficaz e crescente evolução humana no campo da inovação (especialmente tecnológica) e o retrocesso verificado na implementação ou mesmo desenvolvimento das ferramentas (sejam legais ou operacionais) capaz de impor respeito aos direitos relativos à propriedade intelectual, quiçá efetivamente combatê-los.
Nesse ínterim, pouca coisa efetivamente mudou, à despeito dos aplausos que merecem todos aqueles envolvidos no combate aos delitos ligados à propriedade intelectual, em especial as associações que representam diversos seguimentos da indústria, comércio, autores, enfim, titulares de direitos intelectuais, que fizeram com que, ao longo de anos de trabalho, boa parte da sociedade tenha se conscientizado da gravidade do problema.
Esse trabalho, que certamente ganhou visibilidade com a criação do antigo Comitê Interministerial de Combate à Pirataria (no longínquo ano de 2001 — e que pouco ou quase nada fez), foi certamente influenciado pela pressão exercida pelos EUA, que vez ou outra ameaçava incluir o Brasil em lista negra, encabeçada por países como China e Índia, tidos como países onde praticamente não há respeito à propriedade intelectual (mas que já esboçam alguns avanços).
Vale lembrar que o Comitê, apesar de criticas merecidas, serviu pelo menos para trazer o assunto para a pauta da sociedade (auxiliando assim os titulares de direitos intelectuais nas lutas diárias que enfrentavam nos tribunais Brasil afora), que logo após assistiu a "Telemidiática CPI da Pirataria", que soprou como uma esperança de dias melhores ou de um posicionamento diferente diante do quadro até então vigente.
Nesse aspecto, apesar do grande barulho, e talvez menor resultado, a criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual — CNCP, em 2004, conglomerando diversos segmentos da sociedade, deve ser reconhecido com um grande resultado da CPI e, mais que isso, um campo legítimo e poderoso para dar vazão a necessária discussão e contribuição para medidas práticas, educativas e legislativas, no enfrentamento da questão.
De qualquer forma, o CNCP, que encabeça o fronte contra a Pirataria (ao lado do também muito ativo — Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade, como outras tantas entidades engajadas no tema), representa uma das maiores ferramentas para enfrentamento da questão, e onde muitos ainda depositam sua confiança de que, através da força que reuniu, possa efetivamente mudar o quadro atual.
E para isso, já está claro que não bastam medidas paliativas ou pontuais. Também não é a força pitoresca e grotesca dos meios “históricos” de investigação brasileira que devem nortear a questão. Novas leis, palestras, apreensões pontuais, a despeito de positivas, não resolvem o problema. A reforma deve englobar as sólidas bases onde permeiam os mecanismos do sistema de pirataria e, mais do que isso, do seu próprio sistema de combate, maculado, em sua raiz, por problemas muito mais sérios (lamentavelmente experimentados em outros campos), dos quais muitas vezes se fazem valer as próprias vítimas e interessados, ofuscados pela dificuldade em agir de outra forma.
Basta dizer que desde 2006, por exemplo, há lei no estado de São Paulo (Lei 12.279/06, regulamentada pelo Decreto 50928/06) e na cidade de São Paulo, prevendo perda do cadastro de inscrição no ICMS, fechamento do estabelecimento, impossibilidade de seus sócios atuarem no mesmo ramo por 05 anos, perda do alvará de funcionamento do estabelecimento, entre outras penalidades, para aqueles que forem flagrados comercializando produtos piratas. Qual o resultado dessa lei? Quantos estabelecimentos foram efetivamente fechados? A mesma legislação, aliás, começa a pipocar em outras cidades e estados.
É, como se diz, tratar o que existe, como existe, da forma que existe, pautado na legalidade, na razoabilidade, mas acima de tudo, na realidade de um mundo em diária mutação. E isso começa pela nomenclatura atribuída à questão. A sociedade, lamentavelmente, por maior que seja o esforço em fazer crer que PIRATARIA é alvo nocivo, criminoso, tem consigo um idéia diferente da questão. Há, certamente, uma aceitação do termo, por maior que seja o avanço hoje experimentado.
E a amplitude de crimes que hoje são colocados sob a chancela de PIRATARIA parece trazer ainda mais maleabilidade ou menor reprobabilidade social da conduta.
Talvez a intenção seja justamente essa: colocar sob o manto da PIRATARIA crimes gravíssimos, como a falsificação ou adulteração de medicamentos, ou mesmo de cosméticos, que são crimes hediondos[1] (com penas de até 15 anos de prisão), mas aparentemente o viés tem sido outro.
Tanto é que vez ou outra há alguns defendendo a aplicabilidade do princípio da adequação social (que não guarda amparo em nossa legislação) para afastar a punição de crimes contra a propriedade intelectual (especialmente o comércio de CDs piratas).
De qualquer forma, à despeito do coro que se faz pela avanço intelectual no enfrentamento da questão, o objeto central aqui é anunciar mudanças legislativas e decisão do STJ que promoveram alteração nos crimes contra a propriedade industrial (e todos que se enquadrem na mesma condição), como veremos.
A Prescrição nos Crimes contra a Propriedade Intelectual
Há muito tempo, tanto detentores de direitos ligados à propriedade industrial, como aqueles que lidam com o tema, entidades de classe, aguardam e reclamam pela aprovação de alteração na legislação que trata dos crimes contra a propriedade industrial, tipificados nos artigos
183 a 195 da Lei de Propriedade Industrial — Lei 9279/06.
O clamor maior, e a espera que aparentemente não se encerra, é pelo projeto de lei — PL 333/99, de autoria do então deputado Antonio Kandir, cuja grande mudança é justamente aumentar a pena culminada para tais delitos.
Uma das motivações era justamente o reconhecimento de que a pequenez da pena máxima culminada para aqueles delitos (que não passa de um ano de detenção) tornava, na prática, impossível uma efetiva punição, quer por ser o crime atingido invariavelmente pela prescrição, quer pela possibilidade de aplicação dos benefícios advindos com a Lei 9099/95 — Lei dos Juizados Especiais (já que para muitos as condutas em análise não são, ou não deveriam ser, condutas de menor potencial ofensivo).
No que pese o PL ainda continuar sendo apenas um PL, recente modificação promovida no Código Penal, (mais precisamente no último dia 05.05.2010) parece confortar (pelos menos parcialmente) aqueles que temem a prescrição como um dos maiores vilões na persecução criminal dos crimes contra a propriedade industrial.
Como sabemos, a prescrição penal nada mais é do que a perda do poder e dever de punir do Estado diante do não exercício da pretensão punitiva ou mesmo executória durante o prazo estabelecido pela lei.
Em outras palavras, poderíamos dizer que é uma espécie de “penalidade” aplicada pela lentidão do Estado em exercer o direito de punir aqueles que transgridem o ordenamento jurídico vigente. O resultado é a extinção da punibilidade do agente.
O seu reconhecimento, portanto, atinge o próprio direito material (de punir), e conseqüentemente fulmina o direito de ação. Boa parte dos doutrinadores acredita ser matéria eminentemente penal, conquanto haja corrente que afirme ser processual e outra mista.
De qualquer forma, a prescrição se divide basicamente, em dois grandes grupos: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. Ambas estão disciplinadas no Código Penal, em seus artigos 109 a 117.
Importante termos em mente que a prescrição da pretensão punitiva abarca diversas modalidades: i) prescrição pela pena máxima em abstrato; ii) prescrição superveniente ou intercorrente; iii) prescrição retroativa.
Fonte: http://www.conjur.com.br