quinta-feira, 8 de abril de 2010

Jornal do Brasil e instituições suecas fazem conferência sobre novo papel do Brasil


Até um tempo atrás, o traço mais pitoresco que relacionava Brasil e Suécia era o fato dos suecos terem uma rainha que, embora nascida na Alemanha, passou boa parte de sua infância no Brasil – em São Paulo, onde estudou no Colégio Porto Seguro. No entanto, o que singulariza o Brasil economicamente para a Suécia é que o país acomoda um parque industrial sueco em cidades como Curitiba ou São Paulo que rivaliza em tamanho e produtividade com os de Estocolmo e Gottenburgo, dinâmico pólo de indústria e design.
Com mais de um século de presença industrial no Brasil, o primeiro momento da relação comercial entre os dois países foi em 1891, quando Lars Magnum Ericsson, fundador da gigante mundial de telefonia que leva seu nome, vendeu o primeiro aparelho telefônico ao Brasil. Hoje, há mais de 200 empresas suecas espalhadas pelo país. E empresas brasileiras de atuação global, como Embraer, Petrobras Biocombustível e Vale, têm forte presença no país escandinavo.
Os salões da Academia Real de Ciências da Engenharia, a mais antiga do mundo, foram palco de intensos debates sobre o momento especial que o Brasil vem adquirindo no mundo contemporâneo. A conferência O Brasil e o Futuro – Biocombustíveis, Novas Energias, Ciência e Cultura, de iniciativa do Jornal do Brasil, Casa Brasil e Câmara de Comércio Brasileira na Suécia, reuniu especialistas brasileiros e suecos – representantes da Academia Real de Ciências (responsável pela indicação dos prêmios Nobel nas áreas de Física, Química e Economia) e do Instituto Karolinska, responsável pelo Nobel de Medicina. A iniciativa, que transcorreu entre os dias 15 e 17 de março, também incluiu reuniões de trabalho na Academia Real de Ciências e na Academia Sueca (a qual cabe a seleção do Nobel em Literatura).
O diretor do Conselho Editorial do JB, Marcos Troyjo, destacou:
– É inegável a crescente influência do Brasil, a maneira altiva com que atravessou a recente crise econômica mundial e o papel de equilíbrio em tabuleiros complexos da política internacional. – afirmou Troyjo. – Por isso, o JB tem realizado conferências sobre o Brasil em associação com alguns dos mais importantes centros de pensamento do mundo, como MIT, Instituto de Empresa (IE) da Espanha e Columbia University. Vamos aproveitar o interesse internacional e promover nosso país.
Caças e intercâmbio
O embaixador brasileiro na Suécia, Antonino Mena Gonçalves, sublinhou o fato do País hoje ter empresas de forte presença global, como Petrobras, oitava maior empresa do mundo; Itaú-Unibanco, 10ª instituição financeira do planeta; e Embraer, líder em aviação regional. A Suécia é o maior comprador do etanol brasileiro na Europa e, para Mena Gonçalves, “o único aliado do Brasil” na esfera das alternativas energéticas.
– Grande parte da Europa ainda não fez a travessia entre o discurso e a adoção de tecnologias limpas – diz Mena Gonçalves.
O Secretário de Estado das Relações Exteriores da Suécia, Gunnar Wieslander, assinalou a parceria estratégica que seu país deseja estabelecer com o Brasil, que será reforçada com a visita dos monarcas suecos ao país nos próximo dias, quando estarão acompanhados da maior comitiva empresarial sueca de todos os tempos.
Além de parcerias em vários setores, muitos deles debatidos na conferência liderada pelo JB, como o de biocombustíveis, o rei Carl Gustav deseja promover os aviões de caça produzidos pela Gripen, braço de aviação e tecnologias sensíveis do conglomerado de que também fazem parte marcas como Scania e Saab. A aeronave sueca disputa com a americana Boeing (F-18 Super Hornet) e a francesa Dassault (Rafale) no processo de escolha do novo caça da aviação militar brasileira.
Carl Gustaf sabe da difícil tarefa de convencimento que tem à frente.
– É sempre um problema ter de optar entre coisas boas. – reconhece Gustaf. – Espero que o Brasil faça a escolha certa. Se escolhidos, ficaremos muito orgulhosos. Podemos fazer uma cooperação muito forte, com ampla transferência de tecnologia em vários setores.
Combustíveis alternativos no centro do debate
O diretor de etanol da Petrobras, Ricardo Castello Branco, tratou, na conferência, de desfazer o mal-entendido de que a produção de etanol e demais biocombustíveis no Brasil contribui para a devastação da Amazônia:
– Toda a produção brasileira está centrada ao longo da Costa, não nos concentramos em terras amazônicas.
Castello Branco afirmou também que não é de se estranhar o protagonismo brasileiro em energias alternativas. Já em 1925, o Brasil promoveu os primeiros testes mesclando etanol à gasolina. Ele discorreu sobre os imensos desafios logísticos para o escoamento do Etanol brasileiro em vias ferroviárias que interligam Goiás, Minas Gerais e o interior de São Paulo ao Porto de Santos. O diretor de etanol da Petrobras também projetou que a empresa já trabalha na pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis de segunda geração, como o Bioetanol celulósico e a conversão crescente de biomassa em líquidos.
Para Martin Lundstedt, vice-presidente executivo da Scania, o Brasil ocupa o topo das prioridades.
– Vendemos no Brasil quase três vezes mais veículos pesados do que na Alemanha, nosso segundo mercado. – destaca Lundstedt. – Estamos implementando e vencendo o desafio dos biocombustíveis. Na Europa, parte importante de nossa frota já se movimenta dessa forma. No Brasil, temos também de implementar política de treinamento a motoristas de ônibus e caminhões, pois ainda temos ajustes técnicos quanto à aceleração e tempo de resposta em veículos movidos a etanol e biocombustíveis.
Roberto Cortes, presidente da MAN América Latina, multinacional alemã que assumiu as operações da Volkswagen Caminhões e Ônibus no Brasil, notou que apenas 10% das estradas do país são pavimentadas, e destas, apenas um quarto tem boas condições de uso. Ele comparou a situação com países como a Alemanha e a Coreia do Sul, onde 100% das vias têm bom asfalto. O executivo brasileiro defendeu o aumento do uso de biocombustíveis na mistura com o diesel:
– Estou convencido que a solução para o Brasil é biodiesel em larga escala. Isso se reflete na ação da MAN, que já em 2009 produziu veículos de geração B20, que suportam 20% de biodiesel à mistura com o diesel.
Já o presidente do Comitê de Energia da Academia Real de Ciências da Suécia, Sven Kullander, criticou a suposta prioridade que Brasil e Suécia dão ao etanol e outros biocombustíveis;
– Isso se faz em detrimento da produção de alimentos. Uma catástrofe alimentar pode ocorrer até o ano de 2050, quando não será possível alimentar as 9 bilhões de pessoas que habitarão o planeta.
Kullander entende que o petróleo e a cadeia de combustíveis fósseis deveriam preferencialmente ser enfrentados por fontes energéticas como a hidroelétrica, fotovoltaica (solar) e eólica (do vento).
Tal perspectiva foi rebatida por Alan Kardec Duailibe Barros Filho, diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), órgão regulador do petróleo, etanol e biocombustíveis no Brasil. Kardec explicou que o Programa Nacional do Biodiesel tem forte apelo de inclusão social, além de não ser fator de menor plantio de alimentos. Ele acrescentou que o Brasil aprendeu, em tempos recentes, que condições climáticas e vantagens comparativas em commodities não são suficientes para que o país confirme projeções que o elevam à condição de superpotência energética
– O pré-sal e o etanol só foram possíveis porque o Brasil investiu em tecnologia. Temos patentes e know-how, e isso nos credencia a novas parcerias de conhecimento com a Suécia – afirmou Kardec.
Marcello Hallake, sócio do escritório Thompson & Knight e diretor da Brazil Foundation, de Nova York, tratou do quadro jurídico de negócios no Brasil.
– É um encontro entre diferentes tempos históricos. Temos ainda forte conteúdo burocrático, resultante do cartorialismo e modelo legal de nossa colonização. – analisou Hallake. – Por outro lado, o Brasil avançou muito em áreas como a lei de falências e os casos de precedentes jurídicos estabelecidos, meta almejada por muitos investidores institucionais estangeiros.
Hallake ponderou, no entanto, que a burocracia brasileira é grande e o sistema judicial sobrecarregado:
– Hoje há mais de 70 milhões de casos ainda sem decisão nas cortes brasileiras. Tudo isso tem de ser acelerado com vistas à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016, eventos que vão puxar o investimento em infraestrutura.
Influência mútua também na área cultural
A conferência também foi uma oportunidade para a defesa da aproximação cultural entre Brasil e Suécia. Articulista do Ideias do JB e curador da Fliporto, Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas, Antônio Campos argumentou no evento que a expansão internacional das empresas brasileiras tem de estar acompanhada por uma diplomacia cultural, que deve mostrar o melhor da arte e produção intelectual brasileiras. Ao lembrar o acadêmico americano Samuel Huntington, autor da tese do “Choque entre Civilizações”, Campos advogou que o Brasil pode ser o grande facilitador internacional de um novo diálogo civilizacional:
– A experiência de convivência harmoniosa entre raças, culturas e religiões no Brasil oferece um bom paradigma.
Para esta tarefa contribuiria o pensamento do grande antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre, cuja obra foi tema da palestra de seu neto, que hoje preside a Fundação Gilberto Freyre em Apipucos, no Recife. Freyre Neto mostrou como o autor de Casagrande & senzala acabou por fundar nos EUA e na Europa, particularmente na Escandinávia, onde a obra gilbertiana foi vertida para o sueco e o dinamarquês nos anos 50, uma verdadeira visão do Brasil como protótipo de democracia racial. Isso teria sido de particular importância acadêmica numa Europa que se recuperava das cicatrizes deixadas pela intolerância racial, ingrediente na deflagração da Segunda Guerra Mundial.
Já a influência cultural da Suécia no Brasil foi exemplificada na palestra de Ricardo Cota, secretário de Comunicação Social do Rio de Janeiro e crítico de cinema, que focalizou o legado do cinema de Ingmar Bergman no panorama intelectual brasileiro, como na obra do diretor Walter Hugo Khouri. Mesmo sem jamais ter pisado no Brasil, Bergman teria exercido forte influência até mesmo na política do país. O diretor teve filmes censurados no Brasil durante a ditadura militar. Autores consagrados na dramaturgia, como Ibsen e Strindberg, também teriam sua estética e conteúdo tornados mais conhecidos no Brasil pelo olhar de Bergman.
O Jornal do Brasil trará, em sua edição de 31 de março, especial que apresenta a íntegra dos debates realizados na Conferência em Estocolmo.
Parceria além das fronteiras acadêmicas
Carl Sundberg, Professor de bioempreendedorismo do Instituto Karolinska, sublinhou na conferência “O Brasil e o futuro” as oportunidades apresentadas pelo Brasil no campo da pesquisa médica.
– A vasta biodiversidade brasileira é um convite para a formação de empresas de base tecnológica. Esta cooperação não pode ser apenas governo-a-governo ou universidade-a-universidade. Temos de criar empresas conjuntas, de capital misto e que possam desenvolver patentes com as quais possamos lucrar. – analisa Sundberg. – O desafio, na Suécia e no Brasil, é ultrapassar fronteiras acadêmicas e empreender no campo dos negócios.
O cirurgião plástico Ivo Pitanguy – ovacionado pelos presentes quando seu nome foi anunciado e objeto das conversas de bastidores em Estocolmo como potencial laureado brasileiro ao Prêmio Nobel – delineou a estrutura dos serviços médicos que ele ajudou a instalar e da formação de profissionais no Brasil e em quase 30 países. O médico brasileiro traçou um quadro futurístico daquilo que a humanidade pode esperar da cirurgia plástica nos próximos anos, e que envolve desde as pesquisas no campo da genética até a criação de neo-orgãos, além de narizes, seios e orelhas, por exemplo, através da manipulação de células-tronco.
Arnaldo Niskier, presidente do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE-RJ) e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, centrou a educação como peça fundamental na ascensão do Brasil à condição de potência do século 21.
– O Brasil produz 100 milhões de livros pedagógicos por ano, mas um em cada dez brasileiros acima de 15 anos é analfabeto – informou Niskier. – É preciso melhorar estes números.
O professor discorreu também sobre a necessidade de se caminhar rumo à educação para o empreendedorismo:
– No Brasil, as pessoas estão abrindo seus próprios negócios sem conhecimentos básicos de administração e contabilidade. Isso leva ao fechamento precoce de muitas microempresas.
Thomas Arctaedius, diretor da Universidade de Estocolmo, identificou complementaridade entre brasileiros e suecos no que diz respeito ao empreendedorismo.
– O talento sueco para a inovação fascina o mundo, o ensino acadêmico na Suécia é baseado em pesquisa. Mas o Brasil está à frente da Suécia em termos de empreendedorismo. Nós, suecos, não estamos habituados a assumir riscos. admitiu Arctaedius. – Podemos aprender muito com o Brasil. Criar joint-ventures em que cada país contribui com conhecimento e capacidade de empreender.
Mostra de obras amazônicas encanta suecos
A artista plástica carioca Christina Oiticica apresentou em Estocolmo, pela primeira vez, um conjunto de obras da série Amazônia. A inauguração da mostra, aberta à visitação até 4 de abril, atraiu 200 pessoas no centenário Hotel Diplomat e teve grande receptividade na mídia sueca. O evento teve o apoio do Jornal do Brasil, da Casa Brasil e da Câmara Brasileira de Comércio na Suécia, e foi coordenado por Juliana Dorneles e Rodrigo Accioly.
Em 2004, Christina Oiticica realizou incursão à floresta amazônica. Ao longo do percurso, enterrou quadros em locais de difícil acesso para, um ano depois, retirá-las, atestando o quanto haviam sido modificadas pela natureza. Cinco anos depois do desenterro das obras, Christina recolheu obras de seu próprio acervo e outras já em mãos de colecionadores para, enfim, mostrá-las ao público.
– Minha expectativa era grande. E o resultado foi maravilhoso – avaliou Christina.
Fonte: http://jbonline.terra.com.br